11.09.2020

Áreas de Prática: Societário, Comercial e M&A

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Tipo: Helpdesk COVID 19

O Regime de Modificação e Suspensão dos Contratos em 10 perguntas e respostas

1. Perante uma alteração das circunstâncias, deve(m) a(s) Parte(s) optar em primeiro lugar pela modificação do contrato e subsidiariamente pela resolução ou pode(m) a(s) Partes, escolher, livremente, uma das referidas opções?

A(s) Parte(s) deve(m) ponderar, em primeiro lugar, a modificação do contrato e, apenas caso esta não seja objetivamente possível ou exequível, avaliar a hipótese da sua resolução unilateral e os riscos associados.

A crise da COVID-19 tem tido um grande impacto na pontual execução dos contratos, estimando-se que os efeitos negativos da crise venham a intensificar-se com uma possível segunda vaga do vírus. Ainda que a prática tenha demonstrado que na maioria dos casos os contraentes obtiveram, através da negociação, uma modificação dos termos e cláusulas inicialmente contratados, é certo que no futuro os conflitos poderão intensificar-se. Deste modo, num cenário de alteração de circunstâncias, nasce a dúvida de saber se, nos termos e nos fundamentos previstos no artigo 437.º do Código Civil, podem as Partes optar logo pela resolução do contrato ou se devem, à luz do princípio da boa-fé, manter a relação contratual e modificar o contrato em conformidade com as novas circunstâncias. Com efeito, no plano dos princípios normativos, a boa-fé surge como base orientadora e enquanto norma de conduta nas relações contratuais. Deste modo, num cenário de alteração das circunstâncias, ainda que o direito de resolver o contrato se configure como direito potestativo que pode ser invocado por uma das Partes, existe, conquanto não seja uma posição pacífica na doutrina, um dever de (re)negociação e de cooperação, em nome da tutela da confiança e das expetativas das Partes e com vista ao restabelecimento do equilíbrio contratual, o que implica, consequentemente, que as Partes devam optar por acordar modificação do contrato (se tal for possível e exequível).

 

2. Existe um dever de renegociação quando se verifique uma alteração das circunstâncias?

Em geral, a melhor resposta é afirmativa. Ainda que não se possa falar de um dever imperativo de renegociação ipso iure, não é desproporcionado exigir que ao abrigo do dever de boa-fé recaia sobre as Partes um dever de renegociação em prol da defesa dos interesses das Partes na manutenção do contrato e tutela das expetativas contratuais. Contudo, como se disse, esta questão não é pacífica na doutrina, entendendo-se que se uma das Partes se recusar a aceitar a modificação do contrato, pode a outra Parte recorrer ao Tribunal. Neste caso, pode a Parte que recusou a modificação deparar-se com uma modificação judicial imposta pelo Tribunal, ficando defraudada a possibilidade de resolver o contrato com base no fundamento da alteração das circunstâncias.

 

 

3. As circunstâncias em que fundei a minha decisão de contratar alteraram-se. Até quando posso invocar o regime previsto no artigo 437.º do Código Civil?

Deverá invocar-se o regime previsto no artigo 437º do Código Civil logo que se verifiquem as circunstâncias que o podem justificar. Com efeito, a lei não define um qualquer prazo de atuação para as Partes invocarem o regime da alteração das circunstâncias. Porém, a lei determina que as Partes não se podem socorrer deste regime quando se encontrem em situação de mora, no caso das obrigações a prazo, ou incumprimento da obrigação. No caso das obrigações sem prazo, decorre das regras da boa-fé que a Parte que pretende apelar ao mecanismo previsto no artigo 437.º do CC, deve atuar num período razoável de tempo, por forma a não defraudar as legítimas expetativas das Partes e garantir a mitigação de eventuais prejuízos causados em virtude das circunstâncias excecionais.

O regime previsto no artigo 437.º do Código Civil pode ser acionado pela Parte lesada, isto é, pela Parte afetada pela alteração superveniente das circunstâncias e sempre que se encontrem preenchidos os requisitos legais do instituto.

Duas notas finais se impõem: a primeira é de que o regime previsto no artigo 437.º do Código Civil deve ser acionado antes que a Parte lesada se encontre em mora, ou seja, antes que a Parte que viu a sua prestação ser afetada se encontre em incumprimento; por outro lado, impõe a boa-fé que a Parte lesada o acione assim que se encontre numa posição em que é claro que o desequilíbrio das prestações de modo a mitigar os prejuízos causados à contraparte.

 

 

4. A modificação do contrato segundo juízos de equidade implica, necessariamente, o recurso à via judicial? Ou podem as Partes proceder à modificação dos contratos por mútuo acordo?

As Partes não estão impedidas de proceder à modificação dos contratos por mútuo acordo, mas a modificação do contrato segundo juízos de equidade implica, necessariamente, o recurso à via judicial. Apesar de a questão não ser pacífica na doutrina, existindo Autores que entendem que a modificação do contrato, de acordo com os pressupostos do artigo 437.º Código Civil e ao abrigo da equidade só pode ser feita através de recurso ao tribunal, a maioria dos Autores tende a defender que, em nome da economia processual, e ao abrigo dos princípios da boa-fé e da liberdade contratual, as Partes podem proceder à modificação, quer qualitativa, quer quantitativa, do contrato por mútuo acordo. Contudo, na falta de acordo, a modificação do contrato segundo juízos de equidade implica, necessariamente, o recurso à via judicial, nos termos do artigo 437º do Código Civil.

 

 

5. Pode uma das Partes utilizar a Covid-19 como fundamento para a modificação do contrato e, posteriormente, tendo o contrato sido modificado operar a resolução com base no mesmo fundamento?

Consideramos que o artigo 437.º do Código Civil deixa bastante claro que, verificados como preenchidos os requisitos da alteração das circunstâncias, as Partes decidirão entre a modificação do contrato ou a sua resolução, não sendo possível posteriormente, com base na mesma circunstância outrora alterada, optar pela via da resolução.

A aplicação do regime pressupõe a verificação de requisitos muito rígidos e exigentes. De facto, o direito à resolução ou modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias pressupõe que (i) a alteração a ter por relevante diga respeito a circunstâncias em que as Partes tenham fundado a decisão de contratar; (ii) essas circunstâncias fundamentais hajam sofrido uma alteração anormal; (iii) a estabilidade do contrato envolva lesão para uma das Partes; (iv) tal manutenção do contrato ou dos seus termos afete gravemente os princípios da boa-fé; (v) a situação não se encontre abrangida pelos riscos próprios do contrato; e, por último (vi) a inexistência de mora do lesado.

Parece-nos que a pandemia provocada pelo SARS-CoV-2 pode ser apta a consubstanciar uma situação de alteração das circunstâncias, para efeitos do disposto neste normativo legal, sendo certo que uma resposta definitiva dependerá da análise de cada caso concreto.

 

 

6. E se uma das Partes, após a modificação do contrato, não cumprir com a sua prestação? Que mecanismo tem o credor ao seu alcance para ser ressarcido?

Caso a modificação do contrato venha a operar, e uma das Partes não cumprir com a sua prestação, as regras aplicáveis serão as gerais relativamente ao incumprimento contratual, i.e., artigos 798.º e seguintes do Código Civil. Desde logo, será importante distinguir os casos em que a prestação contratual faltosa se insere num caso de simples mora ou, por contraste, se já consubstancia uma situação de incumprimento definitivo.

Se estivermos perante um caso de simples mora, a Parte afetada tem o direito de exigir o cumprimento da obrigação, uma eventual indemnização por juros de mora e pode ainda interpelar a Parte faltosa para que cumpra a prestação contratual em determinado caso, findo o qual considerará verificado o incumprimento definitivo, avançando nomeadamente as razões que o justificam.
Por outro lado, nos casos de incumprimento definitivo, a Parte afetada que tenha perdido, objetivamente, o seu interesse na prestação da contraparte, tem a faculdade de resolver o contrato, por meio de declaração unilateral dirigida à contraparte, a qual deve contar as razões que a justificam, tendo a Parte lesada ainda o direito a receber uma indemnização pelos prejuízos causados.

 

 

7. Como é que se opera a resolução do contrato?

A resolução pode ocorrer judicial ou extrajudicialmente, embora esta última possibilidade seja discutida. A resolução implica a extinção do vínculo contratual e opera nos termos dos artigos 432.º e seguintes do Código Civil, sendo equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade e anulabilidade do negócio jurídico, com algumas especificidades (artigos 289.º e seguintes. ex vi artigo 433.º, todos do Código Civil).

A resolução poderá ter efeitos retroativos, salvo se tal contrariar a vontade das Partes ou a finalidade da própria resolução, o que será aferido mediante a análise do caso concreto. Todavia, em geral, por exemplo no caso de prestações continuadas, será mais adequado que os efeitos da resolução se produzam apenas a partir do momento em que a mesma opera. Retroagindo os seus efeitos, deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se tal não for possível, o seu valor correspondente.

 

 

8. E se, num cenário de pandemia, uma Parte recusar a prestação ou dificultar o cumprimento da mesma, pode equacionar-se a existência de risco a correr por conta dessa Parte?

O dever de agir de boa-fé no curso da relação contratual constitui um dos princípios fundamentais do Direito (artigo 762.º do Código Civil). Num cenário pandémico, se uma Parte recusar a prestação ou dificultar o seu cumprimento, tal deve ser tido em conta pelo tribunal, designadamente para efeitos de redistribuição do risco inicial do contrato, no âmbito da modificação do mesmo.

No mesmo sentido, o comportamento de uma das Partes no sentido de evitar os danos causados pela alteração das circunstâncias também deve ser tomado em consideração.

 

 

9. Qual o significado de uma cláusula habitualmente designada por “Força Maior”?

 

A designada “cláusula de força maior”, habitualmente incluída nos contratos, prevê em geral um conjunto de situações que a verificarem-se podem impedir o cumprimento temporário ou definitivo das obrigações contratuais, acordando então as Partes que na sequência da verificação desses acontecimentos, não se considera existir um incumprimento contratual ou não serão aplicadas as penalizações contratuais pelo atraso na prestação ou pelo seu incumprimento.

Por regra, essas situações são referentes a factos não previsíveis e que fogem ao controlo das Partes, as quais não poderiam evitar a sua verificação, como é o caso de guerras, desastres naturais ou de pandemias.

A verificação de uma situação de força maior pode não permitir, por si só, o término do contrato mas apenas a possibilidade da prestação contratual prejudicada poder ser feita num prazo diferente e mais alargado.

 

 

10. De que forma é possível estabelecer no próprio contrato a regulamentação específica para efeitos da sua modificação e / ou suspensão?

 

As Partes são livres de estipular no contrato uma regulamentação própria para efeitos da modificação e suspensão do contrato, para além do quadro legal acima referido (remetendo-se também para a resposta à pergunta nº 4). Nestes casos, importa ainda que fique definido de forma clara e expressa o procedimento que permite a modificação e a suspensão do contrato.

No entanto, é importante ressalvar que estamos perante situações com algum grau de indeterminação e incerteza, nomeadamente quanto às razões que determinam a faculdade de exigir a modificação e / ou a suspensão do contrato, sendo certo que estamos perante situações excecionais e que só serão viáveis em situações limite.

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