14.01.2020

Áreas de Prática: Fiscal

Desks: Angola Desk

Convenção para evitar a dupla Tributação entre Portugal e Angola

A Convenção para Evitar a Dupla Tributação entre Portugal e Angola (“CDT”), publicada no ano passado entrou plenamente em vigor no passado dia 1 de janeiro. A partir desta data, os contribuintes (indivíduos e empresas) residentes em Portugal ou em Angola passaram a beneficiar da proteção da referida CDT, que prevê desde logo a limitação do montante máximo de imposto a cobrar na fonte seguintes casos:

  1. Dividendos e bem assim remessa de lucros de sucursal (em Angola): 8% (15% quando não exista participação qualificada nos termos da CDT);
  2. Juros – 10%;
  3. Royalties – 10%;
  4. Honorários por prestação de serviços técnicos – 5%;
  5. Mais valias mobiliárias – sem tributação na fonte.

De realçar que as taxas acima referidas são taxas máximas, pelo que se o contribuinte beneficia de isenção ou de uma taxa mais baixa de acordo com a lei doméstica não passa a pagar mais na sequência da entrada em vigor da CDT.

Mas para além destas questões mais lineares, há ainda que ter em atenção outros impactos da CDT:

a. Cláusulas de troca de informações

Um aspeto relevante prende-se com a introdução de novos mecanismos de cooperação entre as autoridades fiscais Portuguesas (AT) e Angolana (AGT). Estes mecanismos encontram-se previstos não só na CDT mas também no Acordo de Assistência Administrativa Mútua e Cooperação em Matéria Fiscal que foi igualmente assinado entre os dois países e que, segundo Aviso n.º 8/2020 publicado hoje em Portugal, entrou em vigor no passado dia 20 fevereiro.

Se é verdade que há duas décadas estes mecanismos eram raramente aplicados, a verdade é que hoje em dia são uma ferramenta essencial ao dispor das autoridades fiscais que desta forma conseguem cruzar informação, designadamente quanto a valores e enquadramento contabilístico – tributário declarados num e outro país. Com isso, a eficácia das inspeções tributárias é fortemente incrementada. E se isto é verdade com a generalidade de países que celebram este tipo de acordo, é ainda mais visível no caso Portugal-Angola em que existe, já há alguns anos, uma cooperação estreita entre as autoridades fiscais. Veja-se por exemplo o projeto de implementação do IVA que contou com uma próxima colaboração entre a AT e a AGT.

b. Cláusulas anti-abuso

É importante realçar que a presente convenção inclui diversas cláusulas anti-abuso que permitem desaplicar o regime da convenção em situações em que esta esteja a ser ilegitimamente aproveitada pelos contribuintes.

Entre as referidas cláusulas, prevê-se o regime de preços de transferência, incluindo a possibilidade de desaplicar a convenção no montante (do pagamento de juros, por exemplo) que exceda o valor normal de mercado.

Ora, esta norma tem potencial para gerar conflitos entre os contribuintes e as autoridades fiscais e de gerar situações de dupla tributação. É por isso aconselhável rever esta matéria e implementar as precauções necessárias para prevenir possíveis conflitos.

c. Conceito de estabelecimento estável

O conceito de estabelecimento estável – pese embora seja bastante amplo – impõe diversos limites ao conceito previsto na lei doméstica Angolana. Como exemplo, realçamos que, nos casos de prestação de serviços através de pessoal no país, o prazo a partir do qual se considera haver estabelecimento estável passa de 90 dias para 183 dias num período de 12 meses. Esta norma poderá significar um alívio relevante para as empresas prestadoras de serviços que poderão aceitar projetos de maior duração.

d. Aplicação prática da CDT

A experiência mostra que a aplicação das CDTs nem sempre é tão fácil e eficaz como seria desejável. Chamamos atenção para alguns aspetos que nos parecem relevantes:

(i) Numa ótica positiva há que retirar todas as consequências das cláusulas de troca de informação e dos mecanismos de cooperação. Com efeito, com os direitos vêm as obrigações… a atribuição destas prerrogativas às autoridades fiscais associa-se à necessidade de assegurar a correta tributação dos rendimentos, evitando-se não só a evasão fiscal como a dupla tributação.

Ora, uma das dificuldades das empresas portuguesas exportadoras de serviços para Angola prende-se com o reconhecimento do seu direito ao crédito de imposto por dupla tributação internacional (i.e. o direito de deduzirem ao IRC devido em Portugal os impostos retidos na fonte em Angola). Este direito ao crédito do imposto, pese embora já estivesse previsto na lei interna – era frequentemente recusado com fundamento na falta de prova do pagamento do imposto em Angola (prova essa que dificilmente se conseguia obter nos termos em que a AT a exigia).

Existindo agora mecanismos de troca de informações e uma obrigação de direito internacional de eliminar a dupla tributação, o entendimento da AT deverá mudar a favor do contribuinte, abreviando assim o contencioso pendente há vários anos sobre esta matéria, pelo menos quanto ao futuro.

(ii) Mas se isto é verdade, também é certo que o crédito de imposto por dupla tributação internacional no Estado da Residência está limitado ao imposto pago no outro Estado nos termos da Convenção. Quer isto dizer que, se o Estado da fonte cobrar imposto que não lhe é devido, o Estado da Residência não é obrigado a permitir a dedução do crédito de imposto. Este tema tem sido recorrente noutras jurisdições, como sejam o Brasil e Moçambique em que por vezes as autoridades adotam interpretações diferentes das oficiais (sejam nos comentários OCDE, seja nos comentários do Convenção Modelo das Nações Unidas), cobrando imposto na fonte que o Estado da residência não considera devido. Nestes casos, a experiência mostra que o contribuinte deve prevenir o conflito, documentando devidamente a situação e expondo-a no Estado da Residência (antes de haver lugar a correções fiscais).

(iii) Uma outra questão prende-se com a obtenção dos meios de prova necessários à aplicação da Convenção. Neste momento, não foi ainda publicada a regulamentação sobre o procedimento a seguir para desencadear a aplicação da CDT em Angola, mas é previsível que passe pela obtenção de um formulário certificado. Do lado Português é exigível ou (i) o formulário RFI preenchido e certificado pela AGT ou (ii) esse formulário preenchido pelo contribuinte e acompanhado de um documento emitido pela AGT, atestando a residência fiscal no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento. Ora, esta prova pode revelar-se difícil de obter dadas as limitações do cadastro fiscal em Angola, em especial no que concerne a pessoas singulares.

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